Buscapé

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Edifício Martinelli

Este post na verdade começou após eu encontrar o vídeo do Estadão que encontra-se abaixo:



Por conta disso resolvi pesquisar um pouco mais e encontrei diversos materiais e fotos antigas. Na verdade este post ficará muito bagunçado, mas não poderei deixar de reunir tudo aqui.

Para começar, o Edificio Martineli localiza-se nos endereços: R. São Bento, 397 a 413 / Av. São João, 11 a 65 / R. Libero Badaró, 504 a 518


Em 1889 um imigrante Italiano desembarcava no Porto do Rio de Janeiro - seu objetivo era o mesmo de tantos outros que chegavam a América: prosperar.

Esse imigrante, chamado Giuseppe Martinelli, foi excepcionalmente bem sucedido neste intento e em pouco mais de duas décadas havia construído um respeitável patrimônio. Desejoso por deixar um legado mais permanente de seu trabalho, além de sua importante empresa de navegação em Santos, o Comendador Martinelli decide erguer na cidade São Paulo o mais alto arranha-céu da América Latina, o Edifício Martinelli.

Nascido em 1870, em Lucca, seu grande sonho de cursar a faculdade de arquitetura não pôde se realizar por falta de condições financeiras. Trabalhou como pedreiro antes de imigrar para o Brasil, em 1889.

 Para São Paulo, o ano da proclamação da república foi o prenúncio de grandes mudanças. Pelo censo de 1890, a cidade contava com 64.934 habitantes. Em 1900 tinha saltado para 239.820 habitantes, em sua maioria italianos do sul. Em 1920 havia se consolidado como o centro industrial do Brasil e em 1930, se aproximando de 1 milhão de habitantes, já era uma das grandes cidades do mundo.

Martinelli cresceu junto com a cidade. Começou no Brasil como mascate e açougueiro, passou a importador e representante comercial e tornou-se um grande armador, com uma frota de 22 navios. Tudo isso em pouco mais de 30 anos.

Foi então que resolveu realizar de uma forma diferente o sonho frustrado de se tornar arquiteto, construindo um prédio que fosse um tributo à cidade que o adotara. Para isso, vendeu toda a sua frota de navios, e em 1924 deu início à construção de um prédio projetado para ter 12 andares, num grande terreno de sua propriedade na então área mais nobre da capital, entre as ruas São Bento, Líbero Badaró e Avenida São João. O autor do projeto era o arquiteto húngaro William Fillinger, da Academia de Belas Artes de Viena.

A obra prometia uma enorme polêmica, pois a São Paulo de então não possuía nenhum edifício de grande estatura, sendo raros os prédios com mais de 5 andares. Planejado para alcançar a barreira dos 100 metros de altura, em uma estrutura não apenas alta como significativamente larga, o Edifício Martinelli marcaria uma transição para a era dos arranha-céus. Passou por momentos difíceis - inclusive, chegou-se a cogitar a sua demolição. Mas o prédio foi recuperado e voltou a ser um orgulho para a cidade.
Em 1924 deu início à construção do prédio projetado para ter 12 andares, num grande terreno na então área mais nobre da capital, entre as ruas São Bento, Líbero Badaró e avenida São João. O autor do projeto era o arquiteto húngaro William Fillinger, da Academia de Belas Artes de Viena.

Todo o cimento da construção era importado da Suécia e da Noruega, pela própria casa importadora de Martinelli. Nas obras trabalhavam mais de 600 operários. 90 artesãos, italianos e espanhóis, cuidavam do esmerado acabamento. Os detalhes da rica fachada foram desenhados pelos irmãos Lacombe, que mais tarde projetariam a entrada do túnel da av. 9 de Julho. Diversos imprevistos prolongaram as obras: as fundações abalaram um prédio vizinho – problema resolvido com a compra do prédio por Martinelli; os cálculos estruturais complexos levaram à importação de uma máquina de calcular Mercedes da Alemanha.

Enquanto isso, Martinelli não parava de acrescentar andares ao edifício, estimulado pela própria população que lhe pedia uma altura cada vez maior – de 12 passou para catorze, depois dezoito e em 1928 chegou a vinte. Nessa época o próprio Martinelli já havia assumido o projeto arquitetônico, e, não se satisfazendo em fiscalizar diariamente as obras, também trabalhava como pedreiro – retomando assim a profisssão que exercera na juventude na Itália – e demonstrava enorme prazer em ensinar aos operários mais jovens os macetes da profissão.

Quando o prédio atingiu vinte e quatro andares, foi embargado, por não ter licença e desrespeitar as leis municipais – havia um grande debate na época sobre a conveniência ou não de se construir prédios altos na cidade. A questão foi parar nos tribunais e assumiu contornos políticos, sendo aproveitada pela oposição para fustigar Martinelli e a prefeitura municipal. A questão foi resolvida por uma comissão técnica que garantiu que o prédio era seguro e limitando a altura do prédio a 25 andares. O objetivo de Martinelli, contudo, era chegar aos 30 andares, e o fez construindo sua nova residência com cinco andares no topo do prédio – tal como Gustave Eiffel fizera no topo de sua torre.

O Martinelli impressionava não só pelas dimensões como pela rica ornamentação e luxuoso acabamento: portas de pinho de Riga, escadas de mármore de Carrara, vidros, espelhos e papéis de parede belgas, louça sanitária inglesa, elevadores suíços – tudo o que havia de melhor na época; paredes das escadas revestidas de marmorite, pintura a óleo nas salas a partir do 20º andar, 40 quilômetros de molduras de gesso em arabescos.

O prédio possui reentrâncias, comuns nos hotéis norte-americanos da época, para ventilação e iluminação, e apresenta as três divisões básicas da arquitetura clássica: embasamento, corpo e coroamento. O embasamento é revestido de granito vermelho; no coroamento, falsa mansarda de ardósia. O corpo é pintado em três tons de rosa e recoberto de massa cor-de-rosa, uma mistura de vidro moído, cristal de rocha, areias muito puras e pó-de-mica, que fazia a fachada cintilar à noite. O revestimento tem três tons de rosa. O Martinelli inspirou Oswald de Andrade a chamar pejorativamente São Paulo de “cidade bolo de noiva”.

Entre os inquilinos do prédio, partidos políticos como o PRP, jornais, clubes (ente eles o Palmeiras e a Portuguesa), sindicatos, restaurantes, confeitarias, boates, um hotel (São Bento), o cine Rosário, a escola de dança do professor Patrizi. O tino comercial do Comendador Martinelli se revelava até nas empenas cegas do prédio, que serviam de outdoor gigante para uma série de produtos, entre eles a “pasta dental Elba”, o “café Bhering” e a aguardente Fernet Branca – importada pelo próprio Martinelli.

Mesmo antes de sua conclusão o prédio já havia se tornado um símbolo e ícone de São Paulo – em 1931 o inventor do rádio, Guglielmo Marconi, visitou a cidade e foi levado até o topo do edifício. Quando o Zeppelin sobrevoou a cidade em 1933, deu uma volta em torno do Martinelli.



Av. São João com o Ed. Martinelli ao fundo - 1939

Contudo, para o Comendador a construção do prédio acarretou sérios problemas financeiros, e em 1934 foi forçado a vender o edifício para o governo da Itália. Em 1943, com a declaração de guerra do Brasil ao eixo, todos os bens italianos foram confiscados e o Martinelli passou a ser propriedade da União, tendo inclusive sido rebatizado com o nome de Edifício América.

Martinelli à Esq. Prédio do Banespa ao Fundo
Com o fim da II Guerra, a cidade entrou em uma fase de enorme progresso que se refletiu em um boom imobiliário. Em 1947 o Martinelli perdeu o título de prédio mais alto de São Paulo para o vizinho Edifício do Banespa. Porém o prejuízo foi a construção da massa gigantesca do Banco do Brasil do outro lado da av. São João no início dos anos 50, fazendo sombra ao Martinelli – que se tornou assim vítima da própria verticalização da qual tinha sido pioneiro.

Em 1950, primeiros anos que os abandonos se mostram significativos, temos o depoimento de José Francisco Cascone, que trabalhava em uma joalheria no 19º andar, ele diz: “Das 8h às 17 horas havia atividades exclusivamente comerciais, com circulação de clientes de joalheiros e alfaiates renomados, e que entravam pela rua Líbero Badaró. Mas, a partir desse horário até 7 horas da manhã, era um completo e perfeito prostíbulo, onde corria solto o tóxico, as bebidas e o comercio do sexo. Os elevadores não eram usados e as escadas serviam de passarela para os mais absurdos desfiles de prostituição.”

Com o passar dos anos a degradação vai ficando cada vez intensa. Casos de suicídio vão aparecendo e crimes começam a ficar frequentes como o do menino Davilson, violentado, estrangulado e jogado no poço do elevador e um outro caso só que nos anos 60 que deu alguma repercussão foi o da menor Márcia. 

Tereza, que foi estuprada por 5 bandidos e depois morta, em um dos apartamentos do prédio.
Nas décadas de 60 e início da de 70, o prédio entra em rápida decadência por uma série de fatores. O prédio se torna uma favela vertical, ocupado por famílias de baixa renda (o Martinelli era uma das poucas opções de moradia barata no centro) em péssimas condições de salubridade. O cenário é de um verdadeiro filme de terror. Nos corredores compridos e sombrios, onde crianças brincavam em meio à promiscuidade, espreitavam ladrões e prostitutas. Os elevadores pararam de funcionar; o lixo deixou de ser recolhido e passou a ser jogado nos poços de ventilação– as montanhas de lixo atingiam dezenas de metros de altura, e permeavam o prédio com um cheiro de morte.

Dizia-se que devido ao lixo acumulado, o prédio inteiro tinha um odor forte e inconfundível, que muitos associavam com a própria morte, segundo um relato de João Alves Vieira, um antigo frequentador do centro: “Dava muito medo passar por perto do edifício, sempre a gente escutava histórias terríveis de lá, cada uma pior que a outra”.

Devido ao constante abandono e a medida que traficantes e prostitutas começaram a frequentar o prédio, abriu-se uma igreja no 17º andar com o nome de “A Igreja do Deus Vivo”, fundada pelo pastor Sinésio Cagliari, e sua esposa a missionária Elza Cagliari, talvez como ultimo recurso para recolher as pobres almas perdidas que tanto frequentavam o prédio.

No início dos anos 70 a revista Realidade fez uma grande reportagem sobre o edifício, e por ela podemos saber o que acontecia lá dentro. Somente alguns dos elevadores continuavam funcionando, mas os botões de chamada não funcionavam mais, e para chamar os elevadores as pessoas gritavam ou batiam com os dedos nas portas, para que o ascensorista soubesse que tinha gente esperando. Circulavam pelo edifício cerca de 25.000 pessoas por dia.

Lá dentro funcionavam os mais diversos tipos de serviços e comércios. Ocupando do 2º ao 6º andar, estava o Banco Itaú América. No térreo, na esquina da Rua São Bento com a Avenida São João, funcionava o cabaré Jantar Dançante São Bento.

No 7º andar funcionava o Sindicato dos Bancários, no 9º andar a Associação dos Inativos da Guarda Civil  e a União dos Servidores Públicos, e o Sindicato dos Panificadores no 13º andar. No 11º a Federação das Escolas de Samba.

O prédio também abrigava vários bares e clubes, como o Bar 16 no 16º andar, o Bar 13 no 13º andar. No 11º funcionava o Clube 220. No 10º andar ficava o Venâncio, local onde músicos iam tocar. No 8º andar funcionava uma escola profissional – A Vigésima Escola Americana, com mais de 1.500 alunos, no 25º andar a Escola de Dança do Professor Patrizi e a Academia de Judô do Professor Oso. A Escola Americana tinha cursos técnicos para torneiro mecânico, técnicos de rádio, mecânicos de automóveis, eletricistas

No 11º andar funcionava o Hotel São Bento, que tinha quartos espalhados pelo edifício, do 11º ao 25º andar. Os moradores ficavam nos andares mais altos. No 24º morava o Índio, assim conhecido pois tinha feito papel de índio no cinema e na televisão. No 25º, o Ludovico encanador, o Arlindo e sua família – zelador da casa do Comendador, a Sra Elza Gregório com seus 5 filhos e o Sr José Basílio com seus 4 filhos. As crianças brincavam nos corredores e nas salas vazias, correndo por todo o edifício.
No 15º, várias prostitutas tinham quartos alugados, para onde levavam seus clientes. No 14º funcionava uma distribuidora de livros e a administradora do prédio. Foi lá que o repórter da revista encontrou o cego Bento e seu guia Venhuí, que circulavam todo dia pelo prédio vendendo vassouras, espanadores e escovas.
No 12º andar morava o Pedrinho Barra Limpa, assim conhecido por ser de toda confiança e guardar dinheiro para os outros moradores e trabalhadores do prédio. Nesse andar também morava Alexandre Natalino Montesanni, conhecido lapidador de São Paulo, que alí trabalhava e dava cursos de lapidação. No 17º andar funcionava a Igreja do Deus Vivo, uma igreja que a missionária Elza Cagliari, junto com seu marido, o pastor Sinésio Cagliari, fundara.

Alguns funcionários moravam no edifício: o zelador da casa do Comendador, que pertencia a um senhor do Rio de Janeiro, e o responsável pela manutenção das instalações de água e esgoto, Ludovico Riehm – mais conhecido como Ludovico encanador, que trabalhava no prédio há mais de 30 anos.
Então, em 1975 o prefeito Olavo Setúbal decidiu salvar o edifício. Desapropriou o prédio – foi necessária a intervenção do exército para retirar os moradores mais renitentes – e deu início à restauração. O responsável pelas obras foi o Engenheiro Walter Merlo, chefiando 640 operários. Os sistemas hidráulico e elétrico foram totalmente substituídos, novos elevadores foram instalados, a fachada foi limpa com jateamento de areia. Um moderno sistema de prevenção a incêndios foi instalado, tornando o Martinelli um dos mais seguros da cidade. Em 1979 foi reinaugurado, sendo ocupado por diversas repartições municipais, como a Emurb e a Cohab.

O conde Martinelli depois de reaver sua fortuna, tinha ódio e vergonha de sua própria obra, dizia sua filha que quando tinha uma viagem a negócios em São Paulo, ele fazia de tudo para não passar por perto do prédio, e perceber que sua maior obra e tentativa de fazer um grande marco na capital, tinha resultado em uma grande favela horizontal, abandonada e com cheiro de morte.

Imagem noturna do Edifício Martinelli

Foto aérea Casa do comendador - 26º andar
Em 1992, o Martinelli foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico: "Os elementos decorativos neoclássicos, a cobertura de ardósia com mansardas falsas, um palacete de três andares no terraço e a roupagem de tijolos recobrindo a estrutura de concreto. Tais elementos estão a indicar a persistência do gosto eclético na arquitetura paulista", justifica a Resolução 37 do Compresp. A Operação Urbana Centro encaminha, atualmente, projetos e ações de restauração do prédio em parceria com a Associação dos Amigos do Prédio Martinelli.

Casa do comendador - 26º andar

Casa do comendador - 26º andar





Mais Algumas imagens:

Vista aérea de SP com o Martinelli no canto Esquerdo - 1930





Veja a galeria de imagens no site do Estadão

Imagens em 360º a partir do topo do Martinelli
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Martinelli

Bibliografia: o único livro publicado sobre o Martinelli é de autoria de Maria Cecília Naclério Homem: Martinelli – A Ascensão do Imigrante e a Verticalização de São Paulo (Projeto Editores Associados Ltda.

5 comentários:

Marco Machado disse...

...eu desenvolvo um trabalho num album comparativo e posso dizer que fico cada vez mais maravilhado com sao paulo, a cada foto antiga que eu pego...
Parabens pelo seu blog, póis atraves de trabalho como esses que é possivel que eu continue o meu...um forte abraço...
http://www.saopauloontemehojealbumcomparativo.blogspot.com.br/

giovany.off disse...

Bom muito bom.

Unknown disse...

Primeiro, meus parabéns pelo Blog!

Acho legal a arquitetura do Martinelli. Em 1974, eu ainda muito jovem, estudava no 8° andar, concluindo o curso profissionalizante de torneiro mecânico na teoria e na prática.
Frequentei por muito tempo o velho Martinelli.

Anônimo disse...

Olá! Muito bom trabalho!! Gosto de postais antigos. Caso tiveres à venda postais antigos.... Avise me, ou escreva-me: marceloarech@yahoo.com.br
Parabéns!!
Obrigado!

Unknown disse...

No início da década de 60 frequentei a academia de judô do Professor Ono. Ele já era velho mas tinha um sobrinho faixa preta que também dava aulas. A academia ficava no ultimo andar, mas ao contrário do que o artigo diz, os elevadores de grades de ferro funcionavam. Alguém também participou dessa academia?